segunda-feira, 24 de maio de 2010

há vida inteira

Se, mais tarde,
o tempo escapar-me das mãos,
já será tarde demais.

Se amanhã, ao primeiro acorde do sol,
não despertar ao teu lado,
já será manhã demais.

Se, depois de tudo,
sentir que nada ficou comigo,
já será tudo,
nada mais.

Se, depois da vida,
persistir em mim
o que jamais morreu,
já não será possível
perder-te mais.

in dubio

Suspeito que estou feliz...
Mas, enquanto perdurar a dúvida,
não acusarei ninguém!

(C)oração

Por que o amor,
que tinge de humano o coração
que navegava sem rumo,
silenciosamente sereno?

Silencie, como a súbita escuridão,
e permita que me ouça,
quando nada mais houver, além de nós dois:
eu e a loucura da paixão.

Fuja de mim,
que não te busco,
escolha os caminhos por onde não passarei.
Celebremos, então, nosso encontro imortal.

passagem

Te liguei para dizer coisas amenas,
erroneamente pequenas,
que caibam no coração.

Tomara que passe a tempestade
e persista a vontade
de irrigar esse verão.

Não importa o quanto doa,
nem que tudo seja à toa...
o verdadeiro sonho é vão.

manhã de maio

Não estou pronto,
mas prestes a acordar.
Os caminhos ainda estão embaralhados,
feito nuvens, ao vento.
Loucura  e lucidez em demasia,
mas sem angústia.
Apenas, permito-me, como outrora não ocorria,
simplesmente, contemplar a dança das possibilidades e... esperar.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

as razões da loucura

Não repare nos silêncios,
cicatrizes das palavras,
não foi fácil contar histórias
lá de onde eu vim.

Não repare nas palavras,
hemorragia de desejos,
não foi fácil calar instintos,
lá de onde eu vim.

Não repare nos desejos,
vizinhos da loucura,
não foi fácil estancar os medos
lá de onde eu vim.

Não repare na loucura
amante da razão,
não foi fácil remendar os sonhos,
lá de onde eu vim.

Não repare nas razões
que eu tenho pra te amar,
não foi fácil resgatar a vida,
lá...de onde eu vim.

pressentimento

Quando o sol se puser e os homens calarem
tudo será noite e fim,
não gritarei por mim,
pois só restará minha ausência.

As árvores, com seu brilho e teias,
neblina do mistério,
serão meu mar.

O inconsciente transborda
sem aviso, nem chamado
e tudo se perde, junto a mim.

Vou adiante,
inerte como as multidões,
cantando a morte de todos os olhares negados,
correndo atrás de pássaros,
qual gato selvagem.

A lua não é mais Lua
e, para lá do outro lado que não se vê,
encontro-me e desperto
na transparência de uma rua vazia,
perdida pelos cantos dos olhos.

Sem pressa ou culpa,
sigo a trilha a cada instante,
levando, nas mãos,
luas, sóis e abismos.

É na escada que me encontro
vôo pela escuridão alada,
sou farol na tempestade.

Passo a passo,
correndo, vou para lá,
universo subterrâneo
de vidas e morros que se perdem de vista.

E me desdobro,
clareio
e viro o vento,
uivo de todos os tempos.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

prova de amor e a efemeridade das coisas

Vi o filme com os olhos hidratados. Afinal, é muita emoção, com situações limítrofes,
em que vida e morte trafegam paralelas. A angústia das perdas, do que cessa,
sem nos consultar, da aflição de sentir escorrer o que parece (parece) ser tudo que temos.
Ao sair do cinema, pus-me a refletir: ora, a manhã linda de qualquer dia, mes e ano nunca
mais acontecerá e, nem por isso, nossos corações apertam-se, por essa irrecorrível passagem. Nunca mais teremos a idade que já tivemos, nunca mais jogaremos aquela partida (ainda que outras se sucedam), o sanduíche delicioso que provamos e arrebatou o paladar não se repetirá, ainda que tantos outros sejam saboreados. Os amigos e amigas com quem convivemos, atualmente, crescem, modificam-se, mudam (de endereço, de perspectivas, de estado civil, têm filhos, trocam de profissão...). Portanto, eles não serão, mais, os mesmos.
Todas as noites morrem no amanhecer, todo os Sóis se põem e, ainda que voltem a despontar no horizonte, será outro Sol, diferente dos demais. Os caminhos que percorremos, diariamente, renovam-se, de acordo com nossa percepção, atenção, estado de espírito. Nós trocamos de pele, constantemente e a pele é o nosso maior órgão, assim, também nós deixamos de ser, fisicamente, o que fomos, embora não percebamos as metamorfoses.
Variamos de projetos, de prioridades, há sonhos que rejuvenscem, outros que se escondem em guardanapos, espelhos, troncos de árvores, palmas das mãos, bilhetes enrugados.
Em suma, a vida coleciona despedidas e, concomitantemente, nascimentos,
surpresas, novidades.
Há porvir por toda a parte, a prover olhares novos, sonhos novos, esperanças nascituras, fantasias que engatinham, em busca da realidade que as adote e as torne adultas.
Assim é a existência - coisas que acontecem, crescem, transformam-se, para que outras cheguem, ocupem seu espaço, floresçam, em moto contínuo. Aí repousa a beleza de ser,
o encanto que surpreende, pela renovação e pela impossibilidade de encarceramento.
Vida é liberdade, é movimento, é o rio que, somente na aparência, é sempre o mesmo.
Portanto, a maior prova de amor à vida é viver, boquiabertos por tudo que esse processo maravilhoso é capaz de nos oferecer. Ele traz, ele leva, releva e nos sorri, infinitamente, pois infinita e imortal é a nossa paixão de estar aqui, com todas as incertezas que nos impelem a prosseguir, a criar, a sorrir, a chorar, a catar desejos, em nós mesmos, a cantar para que nossos temores adormeçam e tenham dias e noites serenos.

sui generis

Será que a gente tem "peito" para enfrentar as marés?
Será que a gente tem jeito para domar os medos, para dobrar os preconceitos?
Será que a gente tem feito tudo que pode para realizar os sonhos?
Será que a gente tem sonhado tudo que pode para multiplicar os feitos?
Será que a gente se acode, se sacode, para superar defeitos?
Nós não somos como os outros, nós não queremos pouco...
nós não fomos com a maria, que foi com as outras,
e, por isso, nossa nave está chegando onde chegaram poucas,
pois temos a mania de ser nós mesmos.
Não sei se é preciso mais do que dois meses,
já falei, já senti, já pedi milhões de vezes,
que Deus mantenha em nós o nosso jeito.

terça-feira, 11 de maio de 2010

a arte de escutar

Escutar é dizer, sem falar. Por isso, não se corre o risco do dito
pelo não dito, pois não há ruídos nesse som, que é, apenas, sentido,
percebido pelo próprio silêncio, em reverência ao mais que respeitoso
cessar de palavras e julgamentos do outro.
Vê-se mas não se ouve, fala-se, mas não se transfere afeto, faz-se
de conta que isso é troca, quando, no máximo, é o troco, a paga por algo
que não se pediu.
Escutar, somente escutar, é proeza que as mães bem conhecem.
Elas escutam os sinais do perigo que seus filhos ainda correrão, pois
trafegam nos becos estreitos do cuidado extremo e, outras vezes, nas amplas
avenidas da alegria proporcionada por um sorriso que substitui todas as palavras
e ainda acrescenta algo de sublime, que não se pode traduzir.
Escutar é ser regente de si mesmo, para manter em repouso os instrumentos
estridentes da razão desvairada, para calar, na mais perfeita harmonia, o vozerio
da vaidade, do sou-mais-eu.
Escutar, enfim, é amar sem segredo, sem medo, sem fim.

vida ascendidíssima

Compareci ao ritual de teu silêncio
Vesti-me com simplicidade,
trajava sorrisos de algodão e lágrimas de lã.

Amei o mais imortal dos amores, a sós
A negação da luz eternizou-a,
pois, jamais, se apagará o que não se acendeu.

Tentaste pronunciar duas palavras distintas,
a um só tempo, com cada um dos lábios.
Escutei, apenas, uma, a outra viaja pingente
em tua boca, sem destino.

Meu olhar arde em teus olhos,
minha voz incendeia tua mente.
Vou viajar para dentro de mim,
levando, na bagagem, o presente que era teu:
a vida.

meu boné

Tu tens dois nomes
e eu, um boné
De vez em quando, tu somes
qual a lua, nos braços da maré.

Eu tenho um telefone
e já tive, também, um boné
De ti, sei só o codinome,
a voz e que és mulher.

Mas já te vi, algum dia, me esqueço
feito meia guardada no pé
Afinal, para que serve o começo,
se tudo termina em boné?

segunda-feira, 10 de maio de 2010

ávida vida

A vida é para já. Não se trata de slogan imediatista,
que rejeite a maturação das coisas, o amadurecimento dos frutos,
a cumplicidade do tempo.
Trata-se, isto sim, de um chamamento ao hoje, à possibilidade de
sentir o cheiro da chuva, enquanto chove, o calor dos primeiros raios
de Sol, em manhãs de qualquer estação, aceitar o sorriso da criança,
que se esboça em nossos lábios, a qualquer momento, beber lágrimas
(de alegria ou de tristeza), sem censura, refazer planos
(talvez, todos),desfazer-se de planos (quase todos), desfalecer de prazer
(seja qual for), chegar a muitos lugares, por caminhos outrora
desconhecidos, reconhecer rostos e restos de lembranças
que, por qualquer motivo, haviam ficado lá para trás, voltar a estudar,
estudar a volta, viajar para dentro e para fora, desligar o celular, perceber
o céu e o luar, cantar debaixo
do chuveiro, pular de satisfação, amar e dar vexame, pois não há vexame
maior do que não amar.
Há vida, já. Ler, novamente, o livro já lido, supreender-se com idéias que
passaram batidas, não terceirizar as cotidianas frustrações, dando uma
chance a si mesmo (e ao outro), acreditar mais na humanidade (lembrando-se
de que faz parte dela), plantar uma esperança novinha em folha, subir numa
árvore, contar uma piada, rir de si mesmo.
Há vida após a vida? A vida está viva, agora, já. A sabedoria está no óbvio,
no simples, na magia de tentar.

tempo lógico

Já não podemos falar em tempo, pois o que nos envolve é significado, é simbologia, é mística, é vida, escrita no dialeto da paixão.
A gente brinca com os números, pois somos lúdicos, a meninice está em nós, no jeito de achar graça do que, certamente, passaria desapercebido a olhos "adultos", sisudos, circunspectos.
A arquitetura de nosso relacionamento é leve, futurista, lança-se no espaço que ainda está sendo construído, por antecipar-se à lógica e vislumbrar o que há de vir.
Já temos História, a partir de tantas histórias a contar, tantas alegrias para cantar, no almoço e no jantar.
Sei lá se são meses, dias, lembranças que transgridem a normalidade, a obviedade, a mesmice, para espreguiçar-se no quarto das surpresas, no quarto crescente, em 1/4 de 4 eternidades.
Brindemos, celebremos, oremos, entremos no reino da felicidade, feita de dedicação, criação e serenidade.
Parabéns para você, para mim, para tantos que há em nós (tantos sonhos, tantos desejos, tântricas esperanças).
Envio beijos ao vinho, sublimes, subliminares, superestelares.

domingo, 9 de maio de 2010

Lua cheia

"Nesta vida (e , creio, em nenhuma outra), não há lugar para meias verdades, para sentimentos pela metade, olhares fracionados, intenções
despedaçadas, amores em pedaços.

Se a Lua é crescente, se sentamos no meio-fio, se calçamos a meia, até mesmo se damos meia volta, ainda assim, é porque estamos inteiros,
íntegros, completamente fascinados pelo encanto da existência, vista de baixo ou de cima, por todos os lados, poros, aos pares.

Portanto, é imprescindível decidir que vida se deseja viver"

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Caminhante

Se o futuro não existe, o que me impele ao que ainda não é?
Se a existência é o que está atrás do muro, o que me impede de ir, pé ante pé?
Se a magia é simples ilusão, porque meus olhos sorriem e minha boca brilha?
Se há energia em plena escuridão, que as estrelas me guiem até o início da trilha