quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Ficção ou realidade? Fique são!

Cair na real?
Decido permanecer de pé,
pé ante pé, ante tantos perigos.
Realidade é cimento, concreto,
é ciumento projeto que proíbe outras versões?
Como assim, se não abro mão nem dos pequenos versos?
Quero os verões para transpirar a saudade
e o inverno para aquecer-me na chama.
A chama da vida me chama , ávida e por isso mais viva.
Deixem-me com minhas intuições ilógicas,
com minha lógica intuitiva,
com a serenidade aflitiva
que é meu emblema.
Feito um poema
que nem preciso escrever.
Só ser.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Cedo são

Talvez seja singular,
talvez não.
O som pode ser fatal.
Elejam a interpretação.
Cedo é ou sedução?

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

dama de verde

A dama de verde dança comigo
Não sinto meu pé,
parece que não preciso de chão
Sinto estranha ausência de calor no umbigo
Acredito profundamente, bem antes da fé,
que nada será em vão
Sem fazer drama, dancei mas prossigo
Já é quase natal, quem sabe desça pela chaminé
o calor encantado que novamente aqueça minha mão.

sábado, 17 de dezembro de 2011

original

Sou a perfeição incompleta,
sou uma lacuna repleta
de acolhimento.
Sou consentimento
para o afago incidental.
Sou tempo e temporal,
repetição que invento.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

entre mentes

Entre sem bater
Aliás, não bata nunca
Entre aspas?
Só para evidenciar a autoria
Entre quatro paredes
Que haja, ao menos, uma janela
Entre a vida e a morte
É onde tudo acontece
Entre nós dois
O entretanto fica para depois

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

chega

Chegue de um jeito
que eu nem desconfie quando aceito.
Chegue sem que eu perceba,
para que eu jamais diga: chega!

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

um pouco depois

Quero que você seja feliz,
mesmo tocando o retrato
e sentindo seu rosto.
Quero que você se encontre,
mesmo não sendo comigo,
que eu seja o gosto amigo,
que você sente depois.
Quero que a paz a abrace
e deixe em sua face
a estrela mais linda.
Quero que você se desencontre
dos desencontros,
que a paixão só termine
ao começar o amor.
Quero que você se esqueça
de tudo que não mereça
estar onde você for.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

desacontecimento

E se nada acontecer?
Se o tempo tiver amnésia e esquecer a que veio?
Se o sábado perder os sentidos e desfalecer na cesta em que todas
as ilusões forem guardadas?
E se nada acontecer?
Se cessarem as voltas, as reviravoltas e todas as revoltas?
Se todas as palavras ficarem quietas?
Se as curvas misturarem-se às retas?
E se nada acontecer?
Se as esperas cruzarem os braços?
Se agora nunca mais for passado?
E se eu não estiver ao seu lado?



sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

por um fio

Pergunta-me uma grande amiga: como confio?
 
Respondo, pestanejando: equilibrando-se no fio que pende entre o seu coração e o outro, fiando-se no piscar de olhos da sua intuição, enfiando-se no aconchego do  seu próprio calor, até que o frio passe, até o fim do impasse.
 
Ela insiste: mas quando isso acontece?
 
Sem pestanejar: nem desconfio, confiar é um grande desafio!
Ela arremata: onde está a verdade nesse conflito maldito? 
Eu remo até a mata de minhas lembranças imemoriais: no silêncio bem dito...
 

carne e osso

Há pelo menos duas coisas que não abandonamos: a tecnologia e a pressa.
A tecnologia (representada por suas astuciosas maravilhas) guarda todas as nossas amizades, breves confissões, inconfessáveis mentiras, tiras de verdades (que
se tornam tão rapidamente obsoletas quanto os produtos que adquirimos), abocanha parte considerável do nosso tempo, dispensa visitas presenciais, expressa sentimentos por abreviaturas quase indecifráveis, decifra privacidades,
banalizando-as, redefine o conceito e o exercício da solidão, mascarada pelo número espetacular de "amigos" virtuais e acrescenta ao trânsito perigos iminentes,
bastando o ruído do recebimento de uma ligação ou, ainda pior, de uma mensagem de texto, para que a "vida" resuma-se ao que a telinha da engenhoca contém.
A pressa já existia como predadora da serenidade humana, muito antes da "digitalização da existência". Mas parece ter ganho contornos ainda mais dramáticos, a partir do momento em que a instantaneidade de quase tudo está ao alcance de quase todos. Dorme-se pela metade, acorda-se pela metade, vive-se pela metade.
As outras metades são deletadas pela urgência irracional, fruto da ansiedade onipresente, que tritura o bom senso e promove o carnaval da indústria farmacêutica.
Drogas legais (somente na acepção jurídica, tá?) substituem, quase impunemente, o diálogo, o afago, o colo. Em contraposição, os calos nos dedos, as lesões por esforço repetitivo, os corações competitivos e calados, a repetição de rotinas travestidas de anciãs novidades e a sombra da depressão ganham espaço no mercado, que compra suas ações e as vende para nós, incautos. Não compramos gato por lebre, compramos febre por lebre. Gastamos 8 horas do dia trabalhando, outras 4 horas no transe do trânsito, fingimos que dormimos outras 8 horas. Nas 4 horas restantes, o que resta de nós sai em busca de alguma coisa que nos desperte, que nos conserte, que nos torne reais para nós mesmos. Que saudade do tempo em que éramos de carne e osso!

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

a despedida de 2011

Todos os anos terminam da mesma maneira. São esquecidos, preteridos pelo novo,
por uma promessa que não há quem meça, espécie exótica e ancestral de apostar
todas as fichas no desconhecido. Mas 2011 nem morreu ainda, vamos dar uma colher
de chá a ele, ouvir suas últimas palavras, seus pedidos, sonhos. O que 2011 projetará
para o ano que vem? Mudanças, claro! Quem não aventa extraordinárias transformações
desde que dezembro bate na porta? Seguindo a tradição, 2011 provavelmente imagina-se
realizando tudo que ficou esquecido até agora, quando janeiro vier. 2011 será outro, cuidará
melhor da saúde, quem sabe matricule-se numa academia de musculação, consulte-se com
um médico ortomolecular ou/e com uma vidente, que revele seu ascendente, que mostre
todos os dentes diante da indisfarçada satisfação do consulente. 2011 promete que buscará
outro emprego, encontrará o amor da sua vida, não empurrará nada mais com a barriga,
até porque acredita que ela não resistirá às sessões de spinning.
Quando os fogos começarem a iluminar o céu reservado ao ano que chega,
2011 exclamará:  Chega.
Acredite quem quiser.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Meu casamento

Los Angeles, 28 de novembro de 2011.



                                                    Querido amigo,


O inverno se aproxima no deserto californiano... Os céus se vestiram de cinza, constante cor a embalar as horas. Às vezes, esquenta um pouco, chego a pensar em praia, mas as águas do Pacífico sempre tão geladas afastam meu pensamento e me levam a pensar em casacos de frio, boinas, luvas e cachecóis. Sei que por aí, está chovendo. Apesar dos estragos que fazem, tenho constante saudade das chuvas tropicais, do cheiro de terra encharcada, do barulho dos trovões, da correria das pessoas nas ruas e avenidas alagadas.

Mas, esta carta tem sabor de primavera, cheiro de roseirais, som de risos ao longe, sussurros ao pé do ouvido e a alegria das borbulhas do champanhe... eu me casei, caro amigo!

Era fim de tarde, o Sol se deitando nas águas do mar, o alaranjado colorindo o céu, onde gaivotas sobrevoavam, testemunhas mudas, quase que intrometidas. A cerimônia foi para poucos amigos e parentes, algo singelo, íntimo, devoto. Foi na praia. Caminhei ao lado do meu bem, por alguns minutos, o tempo que gastamos para ir da casa dos pais dele até a tenda montada, ornamentada com tochas e conchas do mar, nas areias de uma praia quase deserta, tranquila.

Ele vestia calça e camisa brancas, eu, um vestido em rendas e fendas, também branco. O cabelo dele, negro, realçava a cor; as orquídeas em meus cabelos balançavam-se ao sabor da brisa. Havia riso em nós. Andávamos de mansinho, sem pressa, ele falava em tom baixo, em Espanhol, sim, ele fala em Espanhol, um sonho de menina que guardei... eu ria, respondia em Inglês e em Português, porque nos compreendemos em várias Línguas e ele quer aprender a nossa. Ah!, até penso sobre isso, que ele não aprenda muito pois eu gosto do som que ouço quando ele pronuncia meu nome, bate as sílabas na boca, parecendo um carinho, gosto do sotaque, do jeitinho insistente de tentar pronunciar corretamente.

E gostamos de nossas diferenças, nossos costumes antagônicos, eu sempre tão barulhenta, ele, quieto, manso! E gostamos da sensação de plenitude que o nosso estar perto nos dá e de nossas peles, dos toques, dos arrepios, da sensação constante de vento fino a passar por nós, nos aproximando, mas também dando espaço.

Foi servido, após a cerimônia, Mimosa, champanhe com suco de laranja, um coquetel enfeitado com sementes de romã. Muito bom mordê-las... e água de coco. Frutos do mar, arroz branco, carnes ao molho de ervas e de hortelã cremoso, saladas e frutas secas, muita tâmara, que adoro!

Nossos pés descalços nas areias, no chão, assim como estávamos quando nos conhecemos naquela insossa tarde de quinta-feira... Os convidados ganharam sandálias Havaianas como lembrança da festa.

Passamos três dias num barco, à deriva, soltos no mar, em Lua de Vênus.

Meu amigo, estou sob o império das nuvens, andando em ruas estelares, cavalgando em prados verdes, macios, e pouco me importa o frio que espreita, querendo entrar, pois em mim, se faz verão.

Em mim, cantam todos os pássaros, em peito cheio e aberto, em mim, gravita a perenidade.


                                      Um grande abraço,


                                      Suzana/LILY


                           (Um texto de Suzana Guimarães)



NOTA: Texto confeccionado para o amigo Helcio Maia, do Blog "Palavra Fátua".

o jardim

Óculos vêem coisas deslumbrantes: um fio indisciplinado da sobrancelha,
a cláusula minimalista do contrato, o filhote recém-nascido da formiga anã.
Eles dão visibilidade ao que se esconde por aí, graças às cegueiras que nos
acometem. Haverá óculos para a alma distraidamente míope, que ignora
tantas coisas a um palmo de seu nariz? Sim, almas têm olfato, isso é fato.
Mas algumas não se enxergam e ignoram sutilezas. Pobres almas indefesas,
diante de tão imenso jardim.




domingo, 27 de novembro de 2011

louca esperança

Qual a importância da reciprocidade? Até há pouco eu a considerava em termos absolutos,
a fina flor da teoria da dádiva. Mas já não penso ou sinto mais assim. Consigo lidar com a
ausência de retribuição, ao menos, em algumas situações. Isso significa que a entrega nem
sempre pressupõe um movimento análogo de quem recebe. Essa hipótese é aplicável aos
muito próximos e aos muito distantes. Os primeiros por pertencerem a um grupo muito
seleto, aqueles que podem entrar sem bater no meu coração, ou melhor, sequer saem dele.
Os outros por serem contingentes e assim a eventualidade, por si mesma, dilui qualquer
expectativa. No curso da vida, esperamos muito de poucos (nem sempre somos satisfeitos)
e um pouco de muitos (o resultado não é diferente). Jamais deixarei de esperar,
de acreditar, de desejar, ainda que o acervo de intenções solitárias seja acrescido.
É que intenções, mesmo desacompanhadas, confirmam a existência da existência.
Desejo, logo, existo. Se a estrada termina, nem assim desistirei da viagem. Se meus
pés cansarem, minha imaginação conseguirá levar-me muito, muito longe. Por isso,
de um jeito ou de outro, chegarei onde meus olhos não alcançam.
Ainda que lá eu não seja amigo do rei, minha louca esperança será coroada de êxito.

sábado, 26 de novembro de 2011

de trás para a frente

Calei as palavras que não vieram. Eram, não são mais. Ais não serão ouvidos.
Idos tempos de lamentos recorrentes. Rentes ao precipício, não ousaram mergulhar.
Ar, é de ar que se precisa para viver. Ver além das imagens, atrás dos espelhos,
debaixo das pedras, bem acima das nuvens. Vens ou preferes a comodidade?
Idade atribuída ao sentimento, que a realidade desmente. Mente que tenta entender,
mas não consegue. Segue buscando lá fora o que você perdeu. Eu descerei das
montanhas que nunca escalei.
 

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

chega

Você diz que não tem medo do que vê.
Mas não chega.
O seu coração não sossega.
Será que sem medo você chega?
Ou só cega?

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

never

Sob a neve, um punhado de sonhos.
Sob os sonhos, um punhado de neve.

domingo, 20 de novembro de 2011

as sedes

Quem sabe o meu e o seu calor
se encontrem no meio da rua
Então, a gente sua, sua...
até que sua sede seja toda minha
e eu a beba até que me embriague
e me abrigue em sua loucura...
Insensatez ou cura?

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

adorável desencontro

Devolvam-me minhas vertigens, aprendi a equilibrar-me às margens dos abismos.
Renuncio a tanto chão, sou íntimo das exiguidades. Preciso sentir um pouco de
frio, para redescobrir meus melhores abraços. Esqueçam minhas réplicas, elas
não falam por mim. Minha voz é meu delírio, que configura possibilidades
ultrajadas, hostilizadas pela hipocrisia insossa. Visto-me com as circunstâncias
que me visitam, que me incitam a abdicar do pudor babaca, que não desata nem
ata. Escondi-me de mim. Se alguém me encontrar, guarde para si. Ou aguarde,
até que eu caiba em mim.

sábado, 12 de novembro de 2011

a lógica e a mágica

Eu me casei com a lógica cedo demais. Deu no que tinha que dar.
Noites com sol, a pele transpirando idéias e a cuca quase pirando
em odisséias inenarráveis.
Troquei um sorvete pelo desenho de um sorvete, com legenda e
tudo.
Parecia cinema mudo, com as cenas sucedendo-se freneticamente
e a mente mal conseguindo acompanhar.
Separamo-nos, num ato de razão (ou terá sido emoção)?
Sentimos um vazio que parecia impreenchível e fomos tentados a
tentar uma volta.
Mas o simples retorno não seria a melhor solução (mais do mesmo).
As cicatrizes, como boas atrizes, cumpriram muito bem seu papel
e denunciaram o que a memória arrefecida pelo sofrimento recente
esquecera.
Decidimos que cada um ficaria na sua, com endereços diferentes.
Distantes demais para estarem juntos, juntos demais para se separarem.





quarta-feira, 9 de novembro de 2011

avenida

Sou um só, mesmo acompanhado.
De camaleão nada tenho, minha cor não varia, meu sorriso não é amarelo.
Azul em meus olhos apenas quando o céu olha para mim.
Carmim é meu coração, depositário de utopias desavergonhadas,
imunes ao lendário crepúsculo que o inútil calendário tenta anunciar.
Não faço sala, nem desfilo na ala dos conformados.
Sou banhado por esperanças e não sofro naufrágios.
Nem sempre gosto do que vejo, mas pior seria não ver.
Preservo por absoluto fascínio as linhas da vida, elas acamparam em
meu rosto e sabem tudo de mim.
Sou à flor da pele.
A cara da minha alma é escancarada, não saberia ficar escondida.
É a mais larga avenida em que eu já caminhei.




terça-feira, 8 de novembro de 2011

tarô

Tenho apenas duas crenças
Apoio-me no dito e no feito
Renego a desigualdade, mas acolho as diferenças
Ouço o que disseram e faço do meu jeito

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

novamente

Vi em meus sonhos uma flor de rara beleza
Pétalas macias, tantas cores que nem saberia dizer quantas
Mais estranho é que me sorria e transmitia imensa leveza
Ela me via e depois parecia se fundir com outras tantas

Tudo que é belo também morre
No entanto, permanece o encanto guardado na gente
A saudade é tamanha que até escorre
Mas não deixo que caia, para que nasça novamente

p.s.: aos meus pais, avós, tios e outras flores que cultivo todos os dias, com (c)oração.

sábado, 29 de outubro de 2011

encomenda

Mãe, não me deixa no escuro.
Lá eu escorrego e não encontro o que procuro.
Na claridade eu me reconheço e me curo.
Vê se entende o que não consigo te dizer.
Meu corpo e minha alma se precisam,
mas ficam indecisos quando não se podem ver.
Minhas mãos carregam décadas de escadas,
cada qual com seus degraus,
em graus variados de dificuldade.
Como eu queria sentir saudade daquela idade,
em que a noite passava tão depressa,
com a manhã chegando quando a vontade começa.
Encomenda novamente aquele Sol
que escondia toda sombra sei lá onde.
Envia para o endereço certo, que eu recebo.
E não se esqueça que perto é bem melhor que longe.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

homens não têm medos

Homens não têm medos! Jogam todos fora, junto com outras coisas.
O retrato, o tato, a mensagem, a viagem, o perdão, as palavras que
seriam ditas, as benditas ou malditas lembranças...tudo vai para o lixo,
ao menos na imaginação.
Homens não têm medos! Lágrimas, noites, incertezas, carências são
engolidas, na mais abjeta ficção.
Homens não têm medos! Precisam demonstrar segurança, arrotar
convicção, aparentar o que, muitas vezes, não são.
Homens não têm medos! São audazes, destemidos, guerreiros
escondidos, com medo do não.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

leitura silenciosa


Ela sempre fora dele,
ele sempre fora dela.

Como você lê essas frases?
Não há variação no tempo,
mas o espaço será definido
por sua leitura.


sábado, 22 de outubro de 2011

remo

Encontrei em teus olhos lágrimas abandonadas. 
Em tua boca, beijos esquecidos.
Havia em tuas mãos vestígios de freios, feito estradas.
Em tuas costas, séculos escondidos.
Olhei teus sapatos, como peças de teatro, 
divididas em atos. 
Areia de desertos,
sulcos de passos incertos, 
poeira de descaminhos, 
a frustração de espinhos.
Cuidei das feridas, 
mas daquelas escondidas,
sem cicatriz,
clandestinas como você quis.
Aquietei seus rancores,
ruidosos como tambores.
Ouvimos, agora, o som de remos
que nos levam para onde queremos.




sexta-feira, 21 de outubro de 2011

longe

Sou um dado, com tantos e tantos lados
que geralmente os deixo de lado, só para
seguir alado, ao lado da poesia, longe da
dicotomia do sim e do não.

des(culpa)

Era uma vez uma criança um pouco crescida que, após uma travessura, dividida entre
o gozo e o medo, esperou pelo castigo, em vão.
Surpresa, gratificada, frustrada?
Quem arrisca colocar um risco sobre a alternativa mais provável?
Não nos surpreendamos nem nos prendamos à solução mais simples.
Isso acontece mesmo, a busca inconsciente de uma culpa, de algo que se interponha entre o desejante e o desejo, um muro invisível, feito de possibilidades que se disfarçam em impossibilidades, proximidades transformadas artificialmente em distâncias, calor trocado por frio, vinho por um cálice vazio.
E a busca absurda arrasta-se como corrente de um fantasma recorrente que, de tão familiar, já nem assusta mais.

p.s.: inspirado no texto "Cursed" da Patrícia, no blog Dias genéricos.

paraquedas

Para que?
Se é a queda que ensina,
paraquedas não precisa.
Que o corpo sinta a gravidade
e se entregue ao sossego
de um breve levitar.

Até quando?
Qual a medida correta
para transformar curva em reta
e suprimir a surpresa?

Por que?
Há coisas que não cabem em respostas.
Basta admitir que gostas e deixar acontecer.


quinta-feira, 20 de outubro de 2011

magnetismo

O primeiro olhar pode ser o início da história.
Mas o segundo olhar...é dedicatória!

ainda sobre a verdade

Às vezes, é tarde, muito tarde, para ser manhã ou noite. Por vezes, não é de caminho que precisamos, mas de carinho, pois de amparo, aconchego, acolhimento é feito o melhor caminho. Caminho que se desenha com desejos puros, quase pueris. Caminhos feitos de verdades brincalhonas, travessas, transversas.
A alma faz buá, corre para um bueiro, para a beira do mundo, no engano de que se pode fugir, que se pode fingir o que a alma grita, berra. A alma não erra, ela é errante, por isso, ela se move, movediça. É levada, levadiça, como as pontes do castelo, de cada elo do pensamento, cigano, ano após ano. Falsas são as falas, as jóias, as bóias que não impedem naufrágios, ágios que empobrecem o capital, o essencial sentido de tudo...e nada, para sobreviver, para viver na praia, para não fugir da raia, para não morrer de raiva, para manter-se viva!


p.s.: cogitações inspiradas no texto "Sobre a verdade", do blog O medo de Suzana, da Suzana Guimarães.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

sua

Não é asfalto o que vejo no chão da sua rua
Vestida a rigor, você encontra a saudade nua
Na noite perfeita, foi feita a mais bela lua
Em meu pensamento, um girassol ainda flutua
O pó da poesia é o que minha pele sua
É minha agora a hora que já foi sua
 

perca e aprenda

Aprendamos a perder.
Perder o medo, as contas,
as horas.
Perder-se no corpo amado,
tremendo por inteiro e sem temor,
para ser encontrado por si mesmo,
sorrindo a esmo,
perdido de amor.

sábado, 15 de outubro de 2011

relento

Deixarei meus sonhos ao relento,
para que não adormeçam.
Quem sabe, fora de casa,
eles aconteçam.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

A nós, crianças

Criança que engole distâncias e não cansa
Criança que inventa o que já existia (e a gente não via)
Criança que é luz, um convite à dança
Criança que ensina o que eu não mais sentia

domingo, 9 de outubro de 2011

pensamento

Meu pensamento não se importa
com o que penso,
ele vai para onde quer.
Meu pensamento abre as portas
que não posso,
mas não me diz o que vê.
Meu pensamento descobre
o caminho submerso
do coração de uma mulher.
Meu pensamento nem é meu,
pois a todo instante
ele está em você.




sexta-feira, 7 de outubro de 2011

findo fim

Ouvi muitas vezes que o passado e o futuro não existem.
Que só lidamos verdadeiramente com uma dimensão
de tempo: o agora. O passado teria ficado para trás,
fora do alcance até do retrovisor, que só alcança o
que é mais recente, o quase agora. O futuro estaria na
ordem do prematuro, do ainda inexistente, seria uma
espécie de talvez, diluída em bilhões de hipóteses, todas
impalpáveis, incertas. Portanto, o conselho era que o
foco estivesse no dia de hoje ou mais, no momento
presente, numa estreita, exígua fatia de tempo, que mal
cabia na palma de minha curiosidade.
Essa orientação causou em mim uma certa tendência
imediatista, a angústia provocada pelo conhecimento de
que a existência consistia num único passo, pois o próximo
já pertenceria ao futuro e, portanto, seria somente uma
conjectura. E de pouco valeria a memória do que já havia
sido, pois isso pertencia ao mundo do que não pulsa mais.
E lá fui eu, como um saci, sobre uma perna só, tentando
equilibrar-me no estreito espaço do aqui e agora, onde nada
que existe demora, onde não existe hora, só segundo. Ao
menos, segundo os profetas da instantaneidade. 
Confesso que não me senti muito bem. Eu queria mais, não
me satisfazia aquela situação tão provisória, em que a vida,
entendida como um átimo de qualquer coisa, escorria pelos
dedos dos tempos. Cheguei a abolir o uso do relógio, pois
se tudo que me pertence é o agora, os ponteiros não teriam
nada de útil a me informar. Além disso, poderia o relógio
constituir-se em instrumento delirante, pois remeteria ao que
está por vir e, por assim ser, inexiste.
Hoje, sinto a vida de outra maneira, numa perspectiva mais
humana e aconchegante, tridimensional. Passado, presente e
futuro andam sempre juntos, dialogam numa boa, desconhecem
qualquer hierarquia. Eles estão em mim, trafegam pelas avenidas
largas de minha imaginação, sem colisões, conflitos ou disputas
de espaço. Permito-me transitar pelas três dimensões, sem me
perder de mim. Adoro o que vejo nessas viagens, que dispensam
passaporte. Sou cidadão de um universo, em que se fala o idioma
do verso. Aqui a medida de tempo é a emoção que escorre de cada
sílaba para formar a próxima. Neste lugar nada nasce nem morre,
tudo simplesmente é.





segunda-feira, 3 de outubro de 2011

o catador

Sou um catador.
Cato coisas jogadas fora.
Já catei intenções, expectativas, ilusões, pela vida afora.
Sou um catador.
Reciclo o que não se quer mais:
sonhos maltrapilhos, eternidades caindo aos pedaços, barcos sem cais.
Sou um catador.
Recolho o que é abandonado:
desejos grisalhos, utopias obsoletas, amores deixados de lado.
Sou um catador.
Acolho o que é esquecido, onde estiver:
a emoção daquele dia, o olhar que se acendia, o que você disser.






domingo, 2 de outubro de 2011

universo paralelo

Sempre gostei de espelhos. Não necessariamente para ver algo. Aquele objeto é a
própria visão, com seus conteúdos de profundidade e magia, a engolir significados.
Espelhos dão um toque de amplidão ilusória aos ambientes, levando para o fundo
o que está à frente. Na verdade, eles extinguem os limites, criando espécie in door de
borda infinita. E a idéía do infinito me seduz. A gente olha para aquela parede espelhada,
imaginando quem são aquelas pessoas lá longe, sentindo vontade de ir até lá. Uma vez,
ao entrar distraidamente no banheiro de um shopping, dei de cara com um homem muito
parecido comigo, que vinha inexoravelmente em minha direção. Assustei-me, tentei desviar,
mas ele parecia adivinhar meus pensamentos e convergíamos para o mesmo ponto.
Foram necessários alguns segundos para que me desse conta do que havia à minha frente.
Comicidade pura ou a encenação inesperada de um espetáculo dramaticamente cotidiano?
Talvez seja a vida humana um imenso e desconcertante jogo de espelhos, em que nos
surpreendemos com o que já conhecemos, apenas por estarmos submetidos a perspectivas novas.
O que nos rodeia é um amálgama de familiaridade e espanto, repetição e ineditismo.
Existe ainda o espelho metafórico, representado pelo "outro", no qual projetamos
desejos ocultos, crenças remotas, fantasias cifradas.
Aqui a crítica é exacerbada, beirando por vezes a intolerância.
Transformamos outras pessoas em telas, onde assistimos, atônitos, a reprodução
de imperfeições, que nos incomodam profundamente.
Por isso, as rejeitamos, sem nos dar conta de que, mais uma vez, estamos diante de...
réplicas de nossa própria imagem.
Narciso afogou-se na contemplação de sua vaidade, diante do espelho da água.
Tanto tempo depois, os  irreverentes espelhos continuam aprontando travessuras,
mostrando a todos nós o que nem sempre queremos enxergar.


quinta-feira, 29 de setembro de 2011

acontecendo

Você está tão em mim,
que já não me despeço

Se tentar separar,
me despedaço

Por contar com você,
eu aconteço

Não entrego ao destino,
eu mesmo faço.




quarta-feira, 28 de setembro de 2011

eu e você

Envelhece minha saudade, para que nasça nova.
Vista meu desejo, para saber se ele cabe em você.
Esperança não faz vestibular nem se comprova.
A verdade da gente só a gente vê.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

pedido

Perdi-me em teus bosques.
Preciso que me busques.

persona

Quando caem as máscaras,
vemos as más caras.

à beira

Nunca faça sem querer. Queira, desde a beira do fazer.
Venha sem pressa, mas venha à beça, que a flor começa a nascer.
Lambe minha presença, que a alma pensa e o corpo sente.
Que nada seja à toa, pois a vida só destoa quando o sonho está ausente.

domingo, 25 de setembro de 2011

descoberta

Perambulo por teu corpo, sem itinerário preciso.
Acelero nas curvas, freio nas retas, quase perco a direção.
Toco em tua mão, pensando que é minha, pois eu já sentia
o que estava por lá.
Contemplo sorrindo a manhã descoberta, que sempre desperta
no mesmo lugar.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

olhar

Teus olhos beijam minha boca
e levam todas as palavras
que eu não consigo dizer
As levadas letras eletrizam teu olhar
com rimas alucinantes
e por alguns instantes sinto tudo estremecer
Meus olhos desembocam em teu sorriso
e nem sei se é preciso
algo mais acontecer.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

trato

Vamos fazer diferente!
Dormir no telhado, ao seu lado,
sobre centelhas.
Vamos fazer diferente!
Acordar todo mundo, no sábado,
a tempo de bisbilhotar estrelas.
Vamos fazer diferente!
Dar bom dia ao indigente
e um prato de comida.
Vamos fazer diferente!
Lembrar que a mudança é urgente,
façamos um trato com a vida.




segunda-feira, 19 de setembro de 2011

a jornada

O dia mergulhou na lua, rendido aos seus encantos.
E ela, narcísica, ficou cheia de si. Farto da falta,
o carro escancarou as portas do caminho,
afugentando as folhas que cochilavam pelo
chão, habituadas ao desuso. Atiradas nas margens,
exclamaram confusas: mas que abuso!
Saltitando nos espelhos, luzes furtivas que furtavam
a distração. Curvas sedutoras, retas indolentes e
pares de olhos mecânicos a piscar, riscando a visão.
Indiferente a tudo, no colo do breu, um andarilho.
Qual será o seu destino, no meio desse nada?
Lerá ele jornais? Haverá neles alguma menção à
sua jornada? Que nada!
E qual será o meu destino, ao final dessa estrada?
Haverá trens, haverá trilhos, haverá rios para nadar?
Choverá nessa horta? Quem viver, verá.


domingo, 18 de setembro de 2011

acaso

O desejo não adivinha. O desejo advém.
Não vim porque convinha. Eu vim porque tu vens.

sábado, 17 de setembro de 2011

novos dias

Já pedi aos dias que passassem e eles me amarrotaram.
Agora eu os visto à minha maneira.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

iogurte existencial

Ela: está tudo bem?

Ele:tudo é muita coisa.

Ela:  o que está bem?

Ele: na equação do bem-estar de Joyce, a mente deve estar quieta,
       a espinha ereta e o coração tranquilo. Falta contemplar as extremidades.

Ela: e o que completa as extremidades?

Ele: a quietude e a tranquilidade.

Ela: e qual é essa tranquilidade que falta? Como ela é?

Ele: quando eu descobrir, estarei mais perto de alcançá-la.

Ela: o que te falta?

Ele: sobra falta.

Ela: de que? Fala pra mim.

Ele: aconchego. Desacontece quanto mais eu creio que chego.

Ela: e por que não o tem? Por que não encontrou?

Ele: talvez eu não tenha sido encontrado.

Ela: onde está errando?

Ele: estou errante.

Ela: não quer mudar?

Ele: sempre mudo, mas não me calo.

Ela: o erro pode estar aí!

Ele: em não calar? Ou devo emudecer a mudança?

Ela: dê-se uma oportunidade de ser feliz, é tão simples!
      Como diz uma amiga, as pessoas não se permitem mais ser simples, não comem
       iogurte com o dedo...

Ele: mais iogurte nos dedos e menos dedos nas feridas.

Ela: você é infeliz? Qual o seu trauma?

Ele: (risos) não sou infeliz, sou por um triz. Não tenho mais trauma, mas tenho alma demais.





quinta-feira, 15 de setembro de 2011

alimentos vivos

Cuide bem da sua aorta.
Amor é o alimento mais natural que existe.
Quanto maior o consumo, mais estará disponível.
É orgânico e de graça.
Pode ser servido a qualquer hora.
Suas sementes germinam rapidamente, em qualquer ambiente.
Conserve-o em local arejado e ao alcance das crianças.
Ame sem moderação!
Se for dirigir, ame. Se não for, também!


quarta-feira, 14 de setembro de 2011

empatia

Não faço estilo. Enfio os pés pelas mãos e mesmo assim
tenho pés para correr e mãos para socorrer. E não as lavo,
por isso não há nelas o odor da neutralidade.Tomo partido,
porque meu coração também é assim partido, por tantas
partidas. E não se ganham todas elas. Se me perdi até de
mim, por não estar no mapa, por dar a cara a tapa, embora
goste de empate, quando o assunto é empatia.
Minha alma está sempre no estio. Ela sua, escorre para dentro
de si mesma. É vulcão que não se extingue.É estilingue que
arremessa possibilidades na vidraça do silêncio.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

senti

A gente ri e chora.  A gente se esquece da gente e da hora.
Será que nunca mais será agora?
A gente ri e chora. Muito embora tenhamos ido tão embora.
Amor, amor, amora.
A gente chora e ri. Mas sem você não há mais aqui.
Cactus, cactus, caqui.
A gente chora e ri. No entanto, ainda há tanto de ti.
Sem ti, sem ti, consenti.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

colesterol da alma

Qual a estética da felicidade, quais são as medidas do bem estar, do estar de bem com a vida?
Se acreditarmos em todos os mitos que a ideologia dominante cria, seremos presas fáceis
dos males contemporâneos: ansiedade em demasia, autoestima oscilante, depressão.
Basta um descuido e nos transformamos em seres amorfos, quase plastificados.
Pessoas não são produtos fabricados em série, idênticos, padronizados, identificados por 
uma etiqueta. Não estão (pelo menos, não deveriam estar) à venda. Nem com vendas nos olhos.
"Secar" parece ser a palavra de ordem.
Mas que isso não valha para a consciência, senso crítico e respeito por si mesmo e pelos outros.
Estamos nos habituando, perigosamente, à magreza de valores, submetidos
a uma ética esquelética, definida pela "lógica" perversa e duvidosa da aparência e da conveniência.
Sejamos inconvenientes, aparentemos ser...o que realmente somos: humanos!
Vamos colocar na balança o que tem mais peso: dignidade, liberdade e solidariedade, por exemplo.
Engordar somente a conta bancária? Cuidado, colesterol também afeta a alma!

ingenuidade

Quero minha ingenuidade de volta!
Restituam-me o direito de sonhar a qualquer hora.
Devolvam-me as madrugadas e as estrelas sobre as calçadas.
Alimentemos as bocas de sorrisos e de motivos para beijar.







quinta-feira, 8 de setembro de 2011

mania

Não me peçam que me renda aos perigos que nos rondam.
Cheguei antes das ciladas e das luzes apagadas.
Acredito que as ruas são casas de portas nuas e janelas escancaradas.
Recuso-me a blindar minha identidade. Prefiro brindar às frágeis e suaves
eternidades. Abdico da pose patrimonialista, apossando-me somente do
que me pertence: meus devaneios e desatinos.
Só preciso de ar, para respirar e para voar. Não tolham meu espaço,
embora eu não coloque cercas. Escolham o que quiserem, mas não esperem
que os siga. Há quem diga que liberdade não se mendiga. Sou um deles.
Minhas palavras não saem por encomenda. E possuem uma irreverência que
não se emenda. Sou próximo dos que se aproximam, sem que se eximam da
distância. Só não tolero intolerância e mesquinhez. Não sou dono da verdade,
muito menos da mentira. E a mania de amar...ah! essa ninguém me tira.

um minuto

Um minuto de silêncio, em homenagem à vida.
Festejemos a descoberta de uma jazida de esperanças.
Escolher o melhor silêncio, para poder ouvir a voz do coração.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

forrest gump

Hoje eu me lembrei de que me lembro todos os dias.
Déjà vu cheio de novidades, pois são muitas as viagens.
Retrospectiva antecipada, bem antes de dezembro, mas
acontece que os ciclos começam e terminam a qualquer momento.
Passa um filme enquanto caminho, em que vejo tantos de mim,
todos que fui e que ainda sou. Recorto as lembranças de cada um,
só para poder tocá-las, como tocaria um sax. Confesso que todos
me proporcionam sorrisos e um gesto imperceptível de gratidão.
O libertário, o eremita, o panfletário, o Quixote, o cigano com
todos os seus enganos, o andarilho. Músicas eu as ouço e elas me
dizem o que preciso ouvir. E o tempo, esse cara muito louco, um
forrest gump que não consigo seguir!

terça-feira, 6 de setembro de 2011

lixo extraordinário

Como é que pode? Quantas vezes exclamamos a surpresa, perplexidade diante
do que nos parece absurdo, incompreensível. Por mais voltas que o mundo dê,
remanescem motivos para estupefações, dessas que deixam a boca aberta, só
que por uma fome inversa, ou seja, a necessidade de colocar para fora, extravasar.
E a vida é causada, provocada por fomes. São as lacunas que impulsionam. O que
nos move são apetites. É a saliva da ousadia que anuncia os desejos, os saltos na
escuridão do novo. São as marés infinitas da curiosidade inata, trazendo e levando
coisas, influências, possibilidades, vontades. Verdades que colhemos como conchas
e que apodrecem, se não dermos vida a elas. Uma verdade inerte sofre a metamorfose
oposta, de borboleta à lagarta. Perde as asas, desaprende a voar, não serve para nada.
Movimento é o combustível de qualquer transformação. Idéias, sentimentos, emoções
são nômades por natureza, indomáveis. Só assim renovam-se, mantendo-se vivos e
funcionais. O ar precisa circular, a existência deve ser vascularizada, para que exista.

Como é que pude? Agora, questionamos os nossos próprios atos. De onde veio esse
desatino? Pergunta-se a criança de qualquer idade.  Ora, tudo vem do mesmo lugar,
da mesma fonte. Alimentamos o dia de hoje com o de ontem. Requentamos o pão, o
não. Empreendemos as mesmíssimas fugas, os velhos estratagemas, transformados em
algemas. Somos prisioneiros dos medos que inventamos, das tolices que inventariamos
periodicamente e que nos mantêm atados a crenças imobilizadoras. Imobilidade é a
antítese do movimento. Almas imóveis são presas fáceis de problemas muito difíceis de
resolver. A não ser que resolvamos sacudir a poeira do passado, amarrotando tantas
mazelas inúteis e dando a todo esse entulho o destino que merece.

domingo, 4 de setembro de 2011

Vi duas vezes

Da varanda, dava para ver o mundo. Será que o mundo nos via?
Amanhecia tudo ao redor, a  própria manhã, a imprópria ilusão e nós.
Nossos olhos no mar e o mar nos teus olhos.
O pão chegando e o roupão se despedindo. 
A fome sem nome, pedindo para ficar, sem se fazer entender.
Um barco, ao largo, compondo o silêncio, mas querendo falar.
A varanda tão imensa quanto o  mundo, quanta falta de senso ir embora.
Muito embora tudo deva passar.
E o barco, onde estará?
Na parede da memória ou na história de outro lugar?

salud

Um brinde ao que permanece!
O primeiro beijo, mãos que se encontram
na contramão, o Sol penetrando a montanha
à luz do dia,  o calafrio gostoso no meio da noite,
o abraço que diz tudo, o desejo que não cala nada.
Vida longa às efemeridades!

sábado, 3 de setembro de 2011

natureza

Existe algo em cada um de nós a que podemos chamar de "natureza"?
Os naturalmente pacientes ou impacientes, acomodados ou incomodados,
protagonistas ou coadjuvantes, tímidos ou espalhafatosos, formadores de
opinião ou neutros.
Não sei se nasci com essa ou aquela natureza. Minha memória alcança um
garoto tímido, que reunia palavras em qualquer pedaço de papel e colegas
para jogar futebol, em qualquer pedaço de calçada. Esse menino que visito
de vez em quando, como se entrasse num museu do tempo, adorava aprender,
não colava, mas sua alma calava diante do desamor. Ele não entendia a dureza
do olhar e do falar, a intolerância dos adultos, o dialeto estranho dos insultos.
Recorria sempre às imagens poéticas para enfrentar situações inestéticas, como
portas fechadas e becos aparentemente sem saída.
O moleque cresceu e se pergunta se a tal natureza mudou ou se alguma coisa
ficou, de lá para cá.
Será a tal natureza que torna a vida tão urgente? Por isso a imprescindibilidade
de amar tanta gente?
Temor e amor não precisam estar juntos,  mas dissociá-los remete paradoxalmente
ao que se intromete em toda relação - a separação. E como é difícil compreender
que o perto se distancie, que o diálogo silencie, que o calor esfrie tanto.
Quantas vezes as portas se fecham e as saídas desaparecem dos becos! E voltam
os ecos! E retorna o menino, com a tal da "natureza" debaixo do braço, sem querer
ser refém, buscando um hífen que o leve bem mais além, bem mais leve!



quarta-feira, 31 de agosto de 2011

setembra-te

Vou setembrar-te até que me lembres de outubro.
Então, te darei nove ou dezembros.

O caminho da saudade

A saudade não é acidental, ela incide sobre tudo que nos restitui
sensações que nos visitaram, em determinados momentos de nossas vidas.
Embora não haja determinismo na saudade, só se sente de verdade
quando se é surpreendido por ela, que aparece, sem explicação, diante
da janela. Saudade não tem lógica, ela possui a mágica de dar movimento
ao que não poderia mover-se. Fotos acariciadas acariciam, vozes já caladas
se anunciam. Músicas, cartas, lugares, aromas, a saudade está em todas as
partes. É algo que parte partindo a gente. Só percebemos o princípio, sem
fazermos a mínima idéia do máximo de saudade que caberá em nós. Até
quando a sentiremos, até onde iremos, por causa da saudade? 
A lua cheia pode encher-nos de saudade. Um verso, o universo de uma 
música pode nos envolver na musicalidade da saudade. Seus acordes podem
fechar nossos olhos para a falta. E é aí que sobra mais saudade. Podemos até
ouvir seus passos, subindo a escada, descendo pela pele, transpirando numa imagem.
Ah! Qual são os genes da saudade? Que gênio a criou ou ela é a própria genialidade
do Criador? Pois, mesmo que traga dor, muito mais dolorido seria ser destituído de
saudade. Ela tem sempre remetente e destinatário. É inventário de melodias, na beira
de todos os dias ensolarados de talvez. É guitarra solitária , é cigarra solidária, anunciando
a vontade planetária de querer bem, de querer o bem. 
São os dedos da história saltando de uma corda para a outra, equilibrados na ponte inexistente entre a realidade óbvia e a que chega por outras vias. É a súbita visão do que não vias.
É o chão riscado por pés nômades, sempre em busca
da paixão.
São séculos contidos num só olhar, que hipnotiza o cansaço de tantas rotas. Lembranças derramadas pelo caminho para possibilitar a volta. 
São cores, odores e sabores. É saber que a sentirás, onde quer que fores.
São ombros tocados com a suave intenção de jamais dar as costas ao que se gosta.
É oração com sujeito e objeto. Um jeito só nosso de fazer o mesmo trajeto.


segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Kant para mim

Havia um dezembro desenhado na fonte. E as carícias de setembro
chegariam antes, sem que se quisesse antecipá-las.  Cantigas eternas,
como cartas antigas, sequer remetidas. Se quiser cantá-las...Kant!

ps: como o ciclo de recolhimento prossegue, sairam estas poucas
      palavras, cheias de saudade de quem as envolve no acolhimento
      da leitura e na alquimia de sentimentos que tudo isso provoca.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

poesia mais bela

Nos próximos dias, a poesia estará latente aqui. Pequena pausa,
em forma de reticências. Desde maio do ano passado, vocês
me inspiram, em comentários que superam o comentado. Versos
geralmente paridos às pressas, para atender a premência do
que salta do coração. Mais que simplesmente comentar, vocês
vertem palavras enfeitadas de carinho, elegância e sensibilidade.
Frequentemente leio várias vezes e acabo descobrindo vieses em meus
próprios escritos que foram melhor descritos pelos sagazes leitores.
Escrever não é falar para si mas inevitavelmente de si. Comentar é ato
de reiterada generosidade, pela revelação de algo mítico, pelo deciframento
de significantes ocultos, não raro desconhecidos pelo próprio autor. Quem
comenta possui a rara grandeza de contribuir para a obra do outro, sendo
ao mesmo tempo operário e arquiteto. Comentar exige coragem, pois se trata
de absoluto desnudamento do íntimo. Mergulho que enseja mergulho, é convite
à vida, explosão de amor, que eclode em quem é essencial e literalmente gente.
Considero o comentário uma espécie de posfácio, que enriquece aquilo que o
antecedeu, tocando e aquecendo a alma inquieta do poeta. Quem comenta
disponibiliza voluntariamente dois entes mais que sagrados: tempo e emoção!
Aqui e agora, tento retribuir, mesmo que singelamente, o que tenho recebido
de cada um e de todos: afeto, que considero a poesia mais bela.
Lendo, seguindo, comentando vocês passaram a fazer parte das minhas confissões
quase diárias que assim se tornam suas também.
Recebam meu abraço sem fim!



o sol da noite

Hoje é dia vinte e dois.
Uma, duas, tantas vezes dois.
Não sei se foi antes ou se foi depois,
mas tão depressa o Sol se pôs.
Pouco antes da festa, o melhor presente:
a centelha que se libertava pela fresta distraída
da sua mente.




domingo, 21 de agosto de 2011

chegadas e partidas

Compartilha meu desamparo que eu paro de partir.
A partir do que me chega, tudo em mim se aconchega,
não há mais por que sair.


sábado, 20 de agosto de 2011

à minha moda

O estilo moicano não me faz a cabeça, mas
não encano com quem tem estilo.
Não começo frases com "então", nem as
termino com "enfim".
Não prego o fim do mundo, nem me apego
ao que o mundo prega pra mim.
Não encho a cara, mesmo quando a falta se
escancara.
Não tenho iphone, ipad e como o que minha
saciedade pede.
Nada de barracas e barracos, amo papos e
odeio sopapos.
Sapo só no mato, não os mato nem os engulo.
Não faço amor, ele me faz e, às vezes, desfaz.
Se fosse Maria, não iria com as outras, mas
às Três Marias eu iria.
Gosto de preto no branco e de branco no preto.
Falo baixo, quando quero ser ouvido e calo bem
alto quando ouço o que duvido.
Amor se cativa, sem se transformar em cativeiro.
Liberdade é mais que um bairro, é o mundo inteiro!





sexta-feira, 19 de agosto de 2011

um sonho

Sonhei que despedia todas as despedidas. Desde as mais antigas.
Reunia mãos que já não se tocavam, como sóis e luas que jamais se
encontravam. Restaurava palavras esquecidas e as devolvia às bocas
onde nasceram. Acendia fogueiras para descongelar sentimentos.
Inventava todos os inventos capazes de reconstituir paixões. Tornava
possíveis todos os perdões. Erradicava a intolerância, vacinava toda a
humanidade contra o vírus da incompreensão. Resgatava juras secretas,
diários com confissões adolescentes. Criava uma comunidade onde tudo
se unia, nada se punia, pois não havia mais o mal. Andava por todos os
lugares e todos eles eram meus lares. Não comprava nada, pois tudo que
eu precisava já estava comigo. Encontrava nas gavetas da memória toda a
minha história. Bebia impunemente água da torneira. E te dizia tanta besteira,
só para sentir muita sede de ti.  Escrevia versos no teu corpo, para apagá-los
com suor. Corria para os teus braços sem correr perigo. Esquecia tudo que
existia antes desse sonho.


quinta-feira, 18 de agosto de 2011

o dobro da metade

Espero por você na esquina.
Traga alguns sorrisos marotos, um punhado de
coragem bem quentinha e sonhos rotos, para
reciclar.
Não assisto novelas, nem mesmo fora da tela.
Mas bem que podemos arranjar algumas velas,
para iluminar nossas idéias.
E falando em velas, bem que dá  vontade de
colocá-las num barquinho e pedir ao vento que
não as apague, mas que pague o mico de ser
soprado por elas, até que ele chegue aonde
precisa chegar - às mentes nebulosas - para que
leve embora as nuvens e lá se revelem projetos
construtivos e não mais projéteis destrutivos.
Espero por você, esquina.
Para que me dobre, feito um sino, encurtando
minhas calças, como eram quando menino. E
assim de novo ser tão leve, que essa sensação
me leve ao dobro da metade, pois é imensa a
saudade da manhã...que nunca era tarde!

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

eu e os outros eus

As palavras primeiras de hoje são dedicadas a quem não me dedico,
com habitualidade. Aos que me deram uma fechada, no trânsito, aos
que fecharam a cara, no elevador, aos que sairam de fininho, quando
o caldo engrossou, aos que entraram na dança, para levar vantagem,
aos que invadem o acostamento, só para não perder a viagem, aos
que viajam na maionese, por pura perda de consciência.
Que tal soltarmos o verbo, encarar os fantasmas que nos assustam
mesmo de dia, prendermos um pouco a respiração, para que o ar se
renove, libertando o que sequer imaginamos existir? Somos passageiros
que passam ligeiros pela estrada, afoitos em busca da linha de chegada,
mas descobriremos que o mais importante está muito antes (ou depois) dela.
A vida nos olha da janela e a gente, tantas vezes, nem dá bola pra ela.
Quero ouvir suas histórias, solidarizar nossas memórias, sorrir para os
seus tropeços, em consensual e mútuo pedido de (des)culpas, banindo
de nossos corações a culpa e o ressentimento, para poder sentir mais o que
merece ser sentido. Não somos inimigos, estamos expostos aos mesmos
perigos. Para que sangrar as mesmas feridas, com tantas idas e vindas,
que nos levam ao mesmo lugar?
Exorcizemos nossos gritos, nos desfazendo de tantos mitos que, no fundo,
nos tornaram mais rasos. Não é preciso fixar prazos, mas sejamos razoáveis
e já teremos dado um passo para que tudo fique um pouco melhor.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

liberdade para as idéias!

Se me perguntarem se estou feliz, a resposta não será
rápida. Sou parte de um todo imenso, que me toca, influi
no fluxo de meus pensamentos, cutuca cada um de meus
sentimentos, de maneira irremediável. E considero inadiável
inaugurar novos e singularíssimos canteiros de obras, que
construam o mais valioso dos empreendimentos - a esperança.
Refiro-me à esperança palpável, ou seja, que emerge de projetos
inteligentes, que levem em conta a pessoa humana, na visão mais
abrangente, holística que se puder alcançar.
Mas e a logística? Por onde começar?
Livros, para sermos livres. Idéias, fachos de inspiração ocupando
espaços antes ociosos. Personagens lançados no mundo real,
realizando, tornando possíveis os sonhos de simples mortais.
Adrenalina literária para sacudir mentes sedentárias, para acudir
os deserdados.
Ensinar a fazer e ensinar a pensar. Pouco a pouco, provaremos
do fruto da transformação, feita de formação e informação.
Imagem + ação = imaginação.
Habeas corpus preventivo para a criatividade. Que ela possa
voltar às ruas, ir e vir, visitar cada coração, contagiar atitudes
individuais e coletivas, em manifestações festivas de felicidade
transbordante.
Basta de violência, intolerância, indiferença. Acreditar faz
toda a diferença. Ceticismo e conformismo se traduzem em
abominável ofensa ao princípio da mudança. Nada de dança
das cadeiras, pois ninguém deverá sobrar. Sobre as cadeiras
da escola, gente que possa fazer escolhas, que possa sentir-se
sujeito da própria história, alunos que não sintam vontade de ir
embora, fustigados pelo tédio e outros agentes corrosivos.
Precisamos de de inclusão, de urgente transfusão de sangue nas 
veias da sociedade, trocando o vício da repetição pelo cio da ação.
Podemos e devemos oferecer à juventude oportunidades muito mais
amplas que ser jogador de futebol. Jovens que coloquem na cabeça
algo mais duradouro que o corte de cabelo da moda. O que mais
incomoda é a pobreza de alternativas, a sensação de um jogo de
cartas marcadas, além de tantas mancadas que a gente vê por aí.
Para vencer esse jogo, será preciso driblar  muitas desconfianças,
tabelar com a utopia, perder a mania da descrença e vencer a retranca 
do medo estimulado.
Com a bola, todos nós!

domingo, 14 de agosto de 2011

pais e paz

Ah! Essa busca  que só cresce
Essa noite que não amanhece
Numa prece que só pede que te apresse
Mas que não chegue antes da hora
Que espere agora ir embora
A vontade de ir para dentro, mundo afora

Me ensina, mas bem devagar
Eu quero aprender sem perder
O que eu sabia antes de tudo
Sorrir, chorar, catar estrelas
E abrir mão, por não querer tê-las
Somente sabê-las, saber que são belas

Noite alta e o que falta
A coberta ou o frio
O calor no final do pavio
O suor que evita o lençol
A lua que procura o sol


três letras

Havia um caderno, que guardava muitos poemas.
Não sei onde guardaram o caderno, mas as palavras
voaram antes que se perdessem e pousaram no meu
coração. É uma espécie insólita de fotos, sem rostos
nem paisagens. Só passagens estreitas, por onde as
confissões poéticas aconteciam, rastros de sentimentos
afogados em tantas garrafas. Saudades e promessas
embriagadas demais. O poeta amanhecia abraçado
às noites, sem perceber que elas já haviam despertado.
Não sentia o tempo passar. Mas o tempo acompanhava
seus passos lentos, devagar o suficiente para nunca chegar.
O homem vendia tetos e lhe faltava chão. Mas paixão tinha
de sobra. Isso devia ser obra de um deus irreverente, em que
ele certamente nem acreditava. Voz empostada e a grana
quase sempre emprestada, suficiente para esvaziar o copo e
para encher o vazio da alma com algum corpo itinerante.
Ah! Aquele sonho distante e a lembrança infamante do desfecho
prematuro, do tropeço que podou seu futuro, do medo do escuro,
que nunca esclareceu e do desejo que esqueceu.
Peço licença, velho poeta, para resumir todas as dores que não
te amaram e os amores que te doeram com apenas três letras:
etc.
No dia de hoje e noutros tantos dias, fico imaginando o que
farias, se ainda estivesses aqui. As rimas que não me legastes
e aquelas que abandonaste, à espera de ti.
Mas te agradeço a poesia que me permitiu, como eu queria,
mandar-te um abraço daqui.

sábado, 13 de agosto de 2011

a minha, a sua, a nossa

Na poltrona do cinema, nos bancos do ônibus,
da praça, nas cadeiras de praia, da sala de espera,
na mesa ao lado, do outro lado da rua, ao seu lado,
na mesma esquina, esperando a mudança de cor
do sinal...quem está ali, quase invisível? O sinal abre,
mas seu sorriso se fecha e o olhar é quase uma flecha
em direção ao desconhecido. Todos são da mesma
cor ou serão furta cor? São temidos e temem, num
mesmo gemido. O sorriso escondido dentro do bolso.
Quase rostos, quase restos de um grito, no rito diário
da cegueira coletiva, da peneira seletiva que elege os
iguais.
Aprendemos a desconfiar, a nos fiar nas notícias de
tanta desgraça. Mesmo que a vida fique com menos
graça. São as traças do ego, é o nó cego que não
conseguimos desatar, que nos prende aos nossos
medos. Afinal, tudo podem nos levar. E embarcamos
nessa leva de insegurança, não nos permitindo ser mais
levados, como éramos quando crianças.
Assumimos a condição de alvos, mesmo que nossa pele
seja negra. E as setas parecem vir de toda parte. Sentimos
que algo se parte, se quebra, se perde. Perdemos o que
não pode ser roubado. Algo intangível, como aqueles seres
estranhos que nos cercam. E nos sentimos assim mesmo -
cercados, ameaçados pelo visível e pelo invisível, pelo real
e pelo imaginário.
O que sentirão aqueles que chegaram antes de nós ao cinema,
que entraram mais cedo nos ônibus, que madrugaram na praia,
que esperam há mais tempo nas salas...?
Seria melhor que cada um tivesse a sua própria rua?
Confesso que adoro ficar na minha, mas só de vez em quando.
E você, prefere ficar somente na sua?

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

onde estou?

Estou na areia remexida da praia
Estou na lua que encho com o olhar
Estou na dúvida que te atrapalha
Estou na água, na terra, no fogo e no ar

Estou na foto, no rosto da saudade
Estou na gargalhada de madrugada
Estou na voz das esquinas da cidade
Estou nos erros que não querem dizer nada

Estou no redemoinho das emoções
Estou no rio que dá pé
Estou no cio de tantos sons
Estou nos segredos de cada maré

Estou em teu gesto suave e sutil
Estou no perfume do dia seguinte
Estou no princípio que te deixa a mil
Estás onde estou. Acredite!


segunda-feira, 8 de agosto de 2011

o sorriso da liberdade

Quero percorrer tuas estradas, feitas de pegadas
e de paisagens que se soltam com generosidade.
Ouvir teus caminhos, acariciar os espinhos que
os protegem, conversar com as nuvens em que
repousam tuas vontades adormecidas, convencê-las
de que poderão confiar a mim algumas delas, para que
despertem em segurança.
Quero provar dos frutos de tua imaginação e distribuir
as sementes por toda parte, para que haja mais arte
no mundo.
Mas não quero emoldurar teu sorriso. Pássaros cantam
muito mais bonito fora de gaiolas. Tuas palavras livres
têm o som de violas e é assim que encantas. Violando
tabus, contrariando a cartilha, realizando a partilha do
que colhemos em nós.


domingo, 7 de agosto de 2011

ser são

O tesão deve ser são
Entre corpos, entre mentes
Entrementes, sem ser vão
Sob o céu, sobre a mesa
E a sobremesa é sempre desejável
Na presença, na saudade intensa
Insuflando, inflamável
Em transe, intransitivo
Jamais um mero aperitivo
A dois, a sós
Desenhando luas e sóis
Antes e depois
Tesão para receber e para dar
Para perceber, sem olhar
Tesão para cobrir e descobrir
Para investir e se vestir
Tesão para correr e relaxar
Para se achar e se encaixar
Para simplesmente ser, sem se cansar

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

o beijo

Desisti de ouvir notícias. Afinal, gosto de novidades.
Cansei das fofocas mundanas, das crises cíclicas do
capital, dos escândalos cínicos da Capital.
Na contramão da história, quero que me roubem. Calma!
Um roubo específico, em ato pacífico. Que me seja roubado
um beijo. E não precisaria devolver. Mas que fizessem bom
proveito. Ele bem poderia ser lançado ao ar, como um
espirro, para que contaminasse outras bocas. Um beijo
itinerante que, ao desconhecer fronteiras, desprezar ideologias,
se hospedasse em lábios de todas as etnias. Mas um beijo
humano e não divino, pois impregnado de desejos, temperado
por paixões. Um beijo assim, sem senões, sem sermões.
Imaginem o que seria um beijo tão atípico, viajando por aí,
sobrevoando medos, solidões, beijo que selaria perdões,
que abriria portões. Um beijo apátrida e sem bandeira, mas 
beijo com eira e à beira da loucura de ser tão livre, mas tão livre
que não se prendesse em boca alguma, que não se perdesse na
banalização. Um beijo sem passado, alheio ao tempo, que não
fosse passatempo. Um beijo que transbordasse sentimento no
momento em que outro beijo o encontrasse.


quarta-feira, 3 de agosto de 2011

ingenuidade

Lembranças das brincadeiras ingênuas e das besteiras nuas que
provocavam risadas. 
Duas crianças crescidas que adormeciam
abraçadas às próprias travessuras. 
A satisfação sem rasuras,
estampada no espelho, com a sua assinatura.
 

doces e bárbaros

"O seu amor ame-o e deixe-o...
livre para amar..."

Pois além de você, ele ama o que vê
e o que não vê, ama como se deve amar,
sem se enredar, para se dar de verdade,
reservando espaço para a saudade.
Para ser cais e não caos, para ser mais.

"O seu amor ame-o e deixe-o...
ir aonde quiser..."

Que ele vá e venha, pois conhece a senha
que o próprio querer lhe entrega. Que haja
plena entrega e a plenitude jamais será cega,
de tal maneira que a insegurança não conceda
o que a vontade mais profunda (e legítima) nega.


"O seu amor ame-o e deixe-o...
brincar, correr, cansar, dormir em paz..."

Conheça-o, mereça-o, despeça-se dele, para
possibilitar o reencontro. Principalmente, vá ao
e não de encontro. Construa pontes levadiças,
pois você também precisa de retiro. Evite o tiro
no próprio pé, não fira o que você admira, não
prenda, aprenda.


"O seu amor ame-o e deixe-o...
ser o que ele é..."

Entenda que a vida é um sendo, é gerúndio, que
o amor não deve ser um latifúndio, delimitado por
cerca. Acerca disso, perceba: é exatamente a
perda o que nos leva a achar.

Nota de rodapé: as frases abrigadas por aspas pertencem
à letra de "O seu amor", dos Doces bárbaros (Caetano Veloso,
Gal Costa, Gilberto Gil, Maria Bethânia) . As demais são
dedicadas a todos os que têm a coragem de lançar-se na
aventura mais desafiadora - a arte de amar. E amar, como
as aspas, abriga, sem obrigar. Por vezes, há briga, mas que seja
para irrigar. Sobretudo, saber que ninguém é tudo e ainda assim
é um sortudo quem lhe souber amar.






terça-feira, 2 de agosto de 2011

ensejos

O desejo se esgota após a última gota
Aproveita o ensejo e renova sua cota
Onde ele se esconde quando ela cai?
E o que retorna não é o mesmo que sai





segunda-feira, 1 de agosto de 2011

oferta e procura

O coração contraria as regras da economia.
Carinho quanto mais se gasta, mais se tem.
Para quem compra, quanto mais há preço, pior.
Para quem ama, quanto mais apreço, melhor.
O aplicador deseja acumular.
O enamorado acumula desejos.
Nas finanças, quem poupa manda bem.
No amor, ninguém manda, nem se poupa.
O consumista tem muita roupa.
O amante tira toda.
Com dinheiro compra-se.
Afeto é para dar de graça.
Nos negócios, é contrato.
No amor, é com muito trato.


domingo, 31 de julho de 2011

meu lugar

Um vento que nem senti bateu em mim. Parece que algo voou
ou sou eu que não sei para onde vou. Acho que ele levou para
longe certezas obscenas. Obs.: todas as certezas são obscenas!
As frases não terminam, os pensamentos não germinam. Há um
vácuo esquisito, que não consigo nominar. Em mim, somente eu,
um breu sereno, um abismo pequeno, feito apenas para que me
abismasse com o desconhecido. Tateio no passado, não há nada
a alcançar. Tento um salto e me frustro, não é o vazio o que busco,
mas a busca sem promessas. Quem sabe numa dessas reencontro
o meu lugar.

sábado, 30 de julho de 2011

a fresta

Por que temos de estabelecer prioridades? É muita urgência, incontinência,
tanta batida de continência para a utilidade. O ameno faz tão bem, útil e
fútil podem ser coincidentes, dissidente é a imaginação.
Nosso tempo, o tempo todo, é loteado, retalhado em muitas partes. E a
arte, apenas pormenor? Por menor que seja a disponibilidade, é possível ficar
à vontade, libertar-se do que aperta, descobrir uma fresta aberta, povoar a
praia deserta, só para sentir como é. Já percebeu que maravilha é receber
massagem nos pés? Parece que há nuvens no chão, trafega na boca muito
menos não e a beleza acontece naturalmente. Quando a gente descansa a mente,
trocando idéia por emoção, concedendo a si mesmo perdão, repentina é a paz
que anuncia que tudo que se sonhou um dia está ao alcance da mão.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

bom dia!!

Acordei junto com a manhã. Acreditando que nem era o começo,
mas o avesso da história conhecida, aliás, não seria nem um pouco
parecida com tudo aquilo que já vira começar.
De mãos dadas, atravessamos a rua, perambulamos...
Ah! como é gostoso perambular! Liberdade aos pés, aos pensamentos
sem bulas, só para burlar o tédio, a cretinice da culpa, da desculpa sem
motivo para desculpar.
E olha que não estava só, mas a manhã estava tão despreocupada, que
não se ocupava de ao meu lado caminhar. Sempre refutamos caminhadas
simbióticas e nenhuma ilusão de ótica nos faria recuar.
Inexistia itinerário. E pasmem, naquele reino, o erário era sagrado, bem
do agrado de toda a comunidade, que se chamava pelos nomes. E as
respostas eram postas sobre a mesa, em que o pão se dividia e sequer
havia um dia em que faltasse sobremesa.
A manhã e o passeio já estavam quase acabando, quando um bando de
sorrisos atravessou à nossa frente...De repente, a manhã beijou o meu
sorriso e me disse: amanhã...será bem melhor!


segunda-feira, 25 de julho de 2011

letras matinais

Amar é ceder, é se dar. É entrega, mas não na modalidade delivery,
pois amor se propaga no ar, desde a respiração compassada do feto até
a descompassada do afeto.
É a sanidade do cuidado e a insanidade da transferência avassaladora,
que atribui a alguém poderes mais que humanos. Mesmo que ocorram
enganos!
É não trocar nuvem por sanduíche, é quando o melhor fetiche é apenas
se aconchegar. É o luxo extraordinário da simplicidade, é colher flores
no deserto, é estar certo de que não há nenhuma outra certeza, além
da estranha incerteza de amar.
É preferir o plural, na singularidade de instantes que jamais se tornam
distantes.
É transe, muito além da transa, que somente alcança quem levitar.
É gargalhada no meio da estrada, é não pregar o sono e empregar o
tempo para não fazer mais nada, além de amar.
É o frio na espinha adolescente, o pensamento indecente, que só sente
quem se permitiu amar. Só de pensar naquele rosto, naquele gosto
e não há desgosto que justifique desistir do amor.
É compreender que não há final, mas início de semana, todo dia, toda
hora, é ir embora sabendo que voltará, é dar a volta e vir de novo, é
sair do ovo.
Por estranho que pareça, tudo fica muito estranho, caso o amor desapareça.
Amar é valorizar o minimalista, sem se animalizar. É ser o avalista do que
não se pode avaliar. É ser bêbado e equilibrista, só para despencar na
rede que protege e naquela sede herege, que só faz aumentar.
E não precisa ir longe para encontrar a fonte, que está defronte ao espelho.

domingo, 24 de julho de 2011

Ame Winehouse

Tão pouca estrada e tantas as pegadas. Mas soltas eram as esperanças e, de tão livres,
voaram de seu coração para algum lugar incerto, como seu olhar errante. Cabelo e sorriso
presos, o peito arfante, infante ainda, distante do caminho, que rascunhava a cada dia,
adiando a decisão de parar, cada vez mais precisando de ar. Embriagou a consciência,
entorpeceu o olhar da verdade, que temia e que ia, pouco a pouco, fechando,
como as cortinas à sua frente.
Tropeçou na escuridão que desorientava os passos, abriu os braços como se fossem
asas de um pássaro que não conseguia mais voar, espalhou lamentos com tanta melodia,
abraçada à melancolia que se esquecia de passar.
Esqueceu a ordem das palavras, cedeu à desordem da lembrança, que acenava para uma
criança que não sabia brincar. E faltaram melhores brinquedos que aqueles que lhes deram,
que partiram sua coragem em mil pedaços. Muito aço e tão rara leveza que porventura a
fizesse voar.
Ela, que queria roçar nas nuvens e aquele ambiente enevoado, que não a deixava enxergar.
Por medo da rua nua, permitiu que a casa, só sua, a vestisse finalmente de paz. Mas a paz
alcançada, tão absurda, tocou seu corpo e sua alma cansada dessa gente surda,
que não a soube escutar.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

o discurso silencioso

Quero te fazer sorrir, até perder o ar
Fazendo careta, rabiscando teu corpo, sem arranhar
Procurar-te em meus sonhos e acordado te achar 
Trocar palavras por beijos, recriar milhões de desejos e em silêncio te amar


quinta-feira, 21 de julho de 2011

im(possibilidade)

Parte de mim é impermanência
E outra é metade da saudade
Um pedaço de mim é inocência
E o outro zomba da maldade

Fração do meu ser é oceano
Mas há em mim o continente
Habita-me o mais que humano
E, ao seu lado, um deus veemente

Parte de mim o que não fui
Permanece comigo o indivisível
À espera do que não há, mas a alma intui
Sem querer nada além do quase impossível



terça-feira, 19 de julho de 2011

balé urbano

A folha de papel rodopia sobre a calçada.
Alça vôos rasantes, lambe o meio fio, brinca com as
folhas que as árvores rejeitam, provoca os passos
apressados de quem desconhece a liberdade, desafia
o perigo de estar ao relento, mistura-se à paisagem
desapercebida - o rico sorriso do mendigo e a
indiferença indigente de quem não tem nada a pedir ou
oferecer.
A folha de papel atravessa a rua, entre buzinas e freios
histéricos.
O que ela contém: palavras desencontradas ou o silêncio
descartado por alguém?
Uma doce receita, uma amarga despedida, alguma frase
feita ou somente uma folha perdida?

segunda-feira, 18 de julho de 2011

precisa imprecisão

Seus defeitos foram feitos sob medida,
eles revelam minha face escondida e
permitem que eu me encontre em você.
Essa imperfeição à feição do que me falta
é a beleza que aos olhos não salta e nem
todo mundo vê.

terça-feira, 12 de julho de 2011

a nossa canção

A vela arde na madrugada
Lambe as sombras acesas
Ao vê-la, nunca é tarde para nada
E as vertigens, impossível contê-las

A brisa confunde a imagem
Meus olhos e os teus tremulam inquietos
Nossos sentidos não sabem o que fazem
Rodeamos as luzes, qual insetos

Um pássaro retalhando o ar
A panela chiando de fome
Se tu sabes, para que perguntar?
Se eu soubesse, diria teu nome

Quem treme mais: a cortina ou eu?
As horas se espalham pela pele, sem noção
Ficou em mim o jeito que é teu
Escorrendo no rosto o gosto da nossa canção

fortuito que sou

Não me interprete mal
Quantas luas estiveram lá no céu
Procurei por elas até no jornal
Juro que eu preferia uma lua de mel

Pela manhã, a neblina levanta
Da janela, não vejo seu sorriso
Como entender essa falta tanta
Mas sei que prosseguir é preciso

Você mal me interpretou
As nuvens comeram as luas
E afinal, quem eu sou?
Eu fui as canções que eram suas

Levanta antes das manhãs
As janelas sorriem, sem me ver
Faltou entender as coisas vãs
Preciso me seguir até você

sábado, 9 de julho de 2011

pedaços inteiros

Quero agora somente julho, inverno, simplesmente o que está.
Nada guardado, nada aguardado, desacordar a vontade de antecipar
qualquer coisa. Não há um tempo preciso, nem preciso de tempo
para ser espontâneo. Cobrir-me de sereno, quando a noite me descobrir.
Tocar na pele da manhã e dela saber despedir-me, sem pedir que permaneça.
Deixar que a tarde aconteça, para que a vida teça suas pequenas eternidades.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

escarpas

Vou para as montanhas!
Ar que quase dói, de tanto ar
Vou subir tão alto, que é quase voar
Asas aos pensamentos,
se acaso vierem comigo
Agasalhos para as emoções,
embora meu peito seja um bom abrigo
Vou para as montanhas!
Seguir as trilhas do talvez
Tocar nas nuvens, como alguém fez
A todos os silêncios fazer companhia
Levar-me aonde eu não mais havia

terça-feira, 5 de julho de 2011

lado alado

Se a gente pudesse ver o outro lado...
O que não se mostra, talvez nem se conheça,
mas existe, ainda que em mistério. Sério!
Como seria conhecer o que jamais pude
saber? A lágrima no escuro, a jura de amor
pronunciada a sós, o desejo mais atroz.
Se a gente pudesse ver o outro lado...
Uma caixinha guardada a sete chaves, com
tudo aquilo que só tu sabes. A foto recortada,
o guardanapo escrito, a poesia desbotada, um
silêncio aflito.
Se a gente pudesse ver o outro lado...
perceberia o que só se revelou depois.
Mas quando estavas ao meu lado,
o que mais havia, além de nós dois?



segunda-feira, 4 de julho de 2011

um tema qualquer

Pediram-me que escrevesse sobre um tema qualquer.
A idéia me remete àqueles olhares que escapam dos
nossos olhos, sem que percebamos. É quando vemos
o que não está diante de nós, mas dentro, guardado
num daqueles compartimentos de acesso restrito.
Ou então a parte final de um sonho, que salta do
mágico universo do inconsciente para o primeiro
instante do despertar. Por alguns segundos, fica
a dúvida: eu estava sonhando? E se não estivesse?
Como iríamos lidar com desejos subterrâneos, que
o sonho realiza em fórmula cifrada, para não ceifar
a possibilidade censurada pela vigília?
O tema qualquer é amplo demais, é a universalidade,
é tanto oxigênio que não se consegue respirar, é mar
revolto, é o mundo envolto não somente em mil, mas
em todas as cogitações.
Ou seja, confesso a impossibilidade de abordar o
qualquer. E ofereço a pergunta: qual quer?



soli(dons)

"...a solidão é fera, a solidão devora, é amiga das horas, prima-irmã do tempo..."
Alceu, ou melhor, à sua consideração uma exposição de espécies do gênero solidão:
- a compartilhada, em que alguém testemunha, silenciosamente, uma lacuna que não
   entende e não preenche;
- a eleita, numa ambiência de retiro espiritual, pausa para balanço, em que nos dispomos
   a ouvir pura e simplesmente nosso próprio silêncio;
- a eventual, no melhor estilo "pit stop", para reabastecer ou simplesmente calibrar as
   idéias, em curto espaço de tempo;
- a propriamente dita, em que toda a impropriedade das ausências lateja mas,
   simultaneamente,  provoca a falta escancarada que, ao não tocar mais nada,
   convoca desejos que transbordam pelos poros, libertando-nos dos porões
   da dita solidão.


domingo, 3 de julho de 2011

ciclos

A vida anda tão rápido que a lágrima de tristeza
é aproveitada pela alegria, antes de cair.
Ladeiras decidem quando sobem e quando descem,
num ritmo bipolar. E lá vamos nós, surpreendidos
pelos instantes, que morrem de rir do nosso despreparo.
Quem correm são os carros ou os motoristas, quem
representa longe dos palcos melhor ou pior que os artistas?
Um grito de gol...será de quem? Será que sorrio ou é melhor
esperar? E de esperas é feita a existência: o sinal fechado, a
porta aberta, a fila que não anda, o relógio que não para...
A angústia que chega sempre atrasada, que a gente tenta afogar
no chuveiro, incendiar com o isqueiro, hipnotizar com o desejo.
E a esperança, essa anciã tão elegante, que insiste em articular
ciladas, para desorganizar o tédio e bagunçar o coreto da
renúncia, pois a melhor pronúncia para ela é o que está dentro
e não fora da janela.




sexta-feira, 1 de julho de 2011

causa e efeito

Por sermos ímpares, incomodamos os pares
Por não alugarmos amizades, não vamos a todos os lugares
Por sobra de tempo, emprestamos paciência
Por tua causa, resisti à resistência


exiguidade

Cresceste tanto em meu querer, que já não cabes em mim.
Não há mais espaço e para que fiques sou eu quem sai mas,
ao sair, eu não me acho.
Tuas palavras soam em minha boca até que ela seque e a vontade
fique rouca.
Esse silêncio que inexiste em meu caminho é o que persigo no
inesperado que adivinho.