quarta-feira, 20 de maio de 2015

de trivela

Amor, companheirismo, ternura
Tudo que de mais sutil a alma revela
A melhor resposta para a melhor procura
Deve ser dada com classe, de trivela
E até repreensão e censura
Não devem ser dadas de bico
Ênfase não na doença, mas na cura
Olhar construtivo aponta sempre o abrigo

sexta-feira, 15 de maio de 2015

confissões

Confesso minha predileção pelas confissões. Não as religiosas, mas as profanas mesmo. Aquele turbilhão de palavras escorrendo da boca como hordas de torcedores depois de uma grande decisão. Curto declarações hemorrágicas, tanto pela cor apaixonada quanto pela profusão. Nada de parênteses, notas de rodapé, parágrafos organizados. É adorável o caos da espontaneidade, cais onde embarcam e desembarcam verdades escancaradas, despreocupadas com qualquer estética. Eis o paraíso da ética pura, selvagem, in natura, de cara lavada, sem maquiagem. Assuntos misturados, sem vírgulas. Destemidos como Virgulino, imponentes como violinos. Convenientemente distantes da censura dos corretores ortográficos. E sem couvert, direto ao prato principal. Dando nomes aos bois, mesmo que dê bode.

quinta-feira, 14 de maio de 2015

guinada

Talvez para mim o mundo não tivesse jeito
Talvez o súbito abismo, de tão fundo,
nem coubesse no meu peito
Talvez eu aceitasse as regras
de um jogo muito sem graça
Talvez eu até me tornasse indiferente
ao que mal chega e já passa
Talvez eu abandonasse meu time
depois de um caminhão de derrotas
Talvez eu acreditasse que as exclusões
seriam abolidas por cotas
Talvez eu renunciasse às escolhas
e escolhesse a mais silenciosa abstenção
Talvez eu anunciasse no meio da rua
que só caminharia na contramão
Talvez minha voz cedesse sua vez
àquelas que fazem tanto barulho
Talvez eu pudesse decorar tantas teorias vazias
até transformar minha mente num estranho entulho
Talvez eu me acostumasse com direitos elementares
enterrados em cova rasa
Talvez minha indignação nem se iluminasse
com tanta escuridão na faixa de Gaza
Talvez eu sentisse conforto no ceticismo
e me escondesse na solidão
Talvez eu distraísse minhas angústias
com circo e pão
Mas nada disso eu consigo,
pois uma chama misteriosa me chama dizendo: que nada!
E essa guinada permanece comigo.

sexta-feira, 1 de maio de 2015

singularidades

Ao conversarem entre si, duas pessoas jamais falarão da mesma rua, cidade ou país. Ainda que o nome seja o mesmo, esta será a única coincidência. O significado de cada coisa é único e inconfundível para cada um. Isso vale para lugares, pessoas, comidas, acontecimentos e ideias. Se João fosse meu pai e patrão de Pedro, quando eu dissesse
algo a respeito dele, não estaria me referindo ao empregador de Pedro, mas ao meu pai. 
Essas variáveis tornam a vida encantadora. E nos provocam a perceber a inutilidade das tentativas de colonização do outro. Ninguém está certo ou errado quando emite uma opinião. Ela será a imagem do sentimento, da emoção, da memória que prevalecem naquele momento para aquele indivíduo. E mesmo assim tudo isso se sujeita ao princípio geral das metamorfoses individuais. Vivas às luas, às marés, às estações, aos ventos e a tudo que se perpetua por ser infinitamente diferente.
Adaptando a citação bíblica: diga-me que andas e dir-te-ei que és.